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Escravidão na África

Escravidão na África se deu em moldes diferentes dos praticados no Brasil do período colonial e sofreu intensas transformações com o estabelecimento do tráfico negreiro.

Era comum que aldeias e vilarejos no interior da África fossem atacados, e seus habitantes, levados como prisioneiros e vendidos como escravos.
Era comum que aldeias e vilarejos no interior da África fossem atacados, e seus habitantes, levados como prisioneiros e vendidos como escravos.
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A escravidão na África se estabeleceu em moldes domésticos. Nela, o escravo era obtido por meio da guerra, por exemplo, e poderia até ter certo grau de autonomia, podendo se casar e ter terras. Com o tempo, ele era integrado à comunidade de que passou a fazer parte. O comércio de escravizados trouxe profundas transformações para a escravidão na África.

Acesse também: Cultura africana – uma das raízes da nossa cultura

Tópicos deste artigo

Resumo sobre escravidão na África

  • A escravidão era uma instituição registrada no continente africano desde o período do Egito Antigo.
  • Antes da comercialização de escravos em larga escala, a principal forma de escravização no continente africano era a doméstica.
  • Na escravidão doméstica, o escravizado, apesar de não possuir totalmente sua liberdade, poderia ter terras e até se casar.
  • A escravidão na África começou a se transformar com o comércio com os árabes muçulmanos que se estabeleceram no norte da África.
  • A partir do século XV, o tráfico negreiro se estabeleceu e a escravidão no continente africano mudou radicalmente.

Escravidão na África

A escravidão é uma das práticas mais antigas da humanidade, e, desde os tempos do Egito Antigo, por exemplo, essa instituição já se fazia presente. Quando falamos de escravidão, estamos definindo uma relação entre duas pessoas na qual uma parte é vista como proprietária e a outra, como objeto e propriedade.

Assim sendo, o sentido clássico do conceito de escravidão afirma que o senhor detém o domínio sobre o seu escravo, enxergando-o como uma propriedade e privando-o de sua liberdade e de suas vontades. Nesse sentido, o destino de um escravo fica totalmente nas mãos de seu senhor, e essa prática se manifestou em diversas partes do planeta, incluindo o continente africano.

Existe documentação de que expedições militares para obtenção de escravos eram realizadas no Egito por volta de 2700 a.C. Essas expedições visavam a obter escravos na Núbia e trazê-los ao Egito para que fossem revendidos. No Egito, os escravos poderiam ser encaminhados para trabalhos braçais pesados, como em pedreiras.

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Escravidão doméstica

A escravidão na África teve um grande salto por conta do comércio com os árabes e os europeus, como veremos. Entretanto, antes disso, a forma de escravidão mais tradicional que existia no continente africano era a doméstica, na qual o escravizado era utilizado em trabalhos simples, como o cultivo da terra.

Essa escravidão se dava, principalmente, por meio da guerra, em que um vilarejo vencido em uma luta tinha parte de sua população escravizada. Essas pessoas aprisionadas se somavam ao vilarejo vencedor e se juntavam ao grupo de pessoas que cultivavam a terra, pois, em diversas culturas africanas, a riqueza se media pela quantidade de pessoas disponíveis para o cultivo da terra.

Na escravidão doméstica, os dois principais grupos escravizados eram as mulheres e as crianças, as primeiras por se rebelarem menos e por garantirem a continuidade da linhagem pela reprodução, e as segundas por sua maior facilidade em serem assimiladas.

A reprodução e a assimilação dos escravos eram importantes nessa modalidade de escravidão porque as mulheres escravizadas se tornavam concubinas de seus senhores e os filhos delas eram integrados à comunidade, isto é, nasciam livres e garantiam a continuidade da linhagem daquele povo. Essa assimilação se dava gradativamente.

Existiam outras maneiras de obtenção de escravos, como pela punição por delitos considerados graves, como o roubo e o adultério. Entretanto, o historiador Roquinaldo Ferreira aponta que esse tipo de sentença se tornou mais comum somente depois do estabelecimento do tráfico negreiro na costa africana.|1|

Os historiadores Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho também explicam que existiam povos que revendiam pessoas para serem escravizadas em contextos e situações críticas, em que a sobrevivência da comunidade dependia dos recursos obtidos por esse comércio. Eles afirmam que os Sena, de Moçambique, vendiam pessoas escravizadas quando a seca os deixava sem alimentos.|2|

Por fim, é importante comentar que a escravidão doméstica africana tinha algumas características peculiares, uma vez que dava certo grau de autonomia para o escravizado e permitia que ele se casasse com outras pessoas livres e até que fosse proprietário de um lote de terra.

Acesse também: Como ficou a vida dos ex-escravizados após a Lei Áurea?

Escravidão islâmica

A escravidão doméstica era uma prática tímida, em que muito poucas pessoas escravizadas eram vendidas como tal, e, como vimos, tinha um papel ligado ao cultivo da terra nas comunidades para as quais essas pessoas iam. Com o tempo, elas acabavam sendo integradas à comunidade e viam suas linhagens serem libertas.

O comércio de escravos passou a se tornar uma atividade econômica comum e intensamente lucrativa por meio dos contatos dos árabes com os povos subsaarianos. Isso porque, a partir do século VIII, o norte da África foi conquistado pelos árabes. Isso fez com que essa região fosse islamizada e fortaleceu os laços comerciais entre muçulmanos e os povos subsaarianos.

Esses laços se davam porque os berberes (habitantes do norte da África convertidos ao islamismo) realizavam caravanas que cruzavam o deserto do Saara e iam para diversas regiões da África subsaariana e lá trocavam diversas mercadorias, como perfumes, tecidos e cavalos, por ouro, marfim e escravizados.

Fala-se que a escravidão islâmica tenha sido responsável pela escravização de cerca de sete milhões de pessoas em cerca de 11 séculos.|3| Entre os árabes, os escravizados cumpriam trabalhos como carregadores nas caravanas, agricultores, artesãos, domésticos, entre outros. A cultura árabe não permitia a escravização de muçulmanos, portanto, essa ação era entendida por eles como uma oportunidade para a conversão, uma vez o acesso à palavra de Alá a impediria.

A grande demanda dos árabes por escravizados transformou a relação dos africanos com a escravidão e contribuiu para o desenvolvimento de um grande comércio no continente. Com isso, a escravidão doméstica foi perdendo espaço para a comercial, isto é, a obtenção e revenda escravos unicamente pelo lucro.

Leia mais: Escravidão no Brasil – escravizou milhões de indígenas e africanos e existiu por mais de 300 anos

Tráfico negreiro

Pintura de africanos escravizados em porão de navio negreiro.
Os africanos comprados pelos europeus como escravos eram colocados em navios chamados de tumbeiros.

Foi a partir do século XV que o comércio de escravos no continente africano se transformou em um negócio de proporções gigantescas. Esse negócio se estabeleceu no período das grandes navegações, isto é, durante as expedições de exploração do oceano Atlântico, realizadas pelos portugueses ao longo do século XV.

A relação comercial entre os europeus e os africanos fez com que se consolidasse uma classe de comerciantes especializados na obtenção de prisioneiros e na sua revenda como escravizados. Antes da colonização, milhares de africanos já haviam sido enviados para cidades como Lisboa e Sevilla, para lá realizarem todo o tipo de trabalho.

O tráfico de escravizados incentivou as lutas internas no continente africano, uma vez que alguns povos com maior capacidade militar passaram a usar dessa força para subjugar povos mais fracos, a fim de revendê-los como escravos. Entre os reinos que passaram a praticar esse tipo de comércio, estavam Daomé e Ashanti, por exemplo.

Roquinaldo Ferreira aponta que o comércio de escravizados com os europeus contribuiu para a centralização política da África, fazendo com que os reinos que dominavam a captura e venda de pessoas se tornassem forças hegemônicas. Isso intensificou as guerras e tornou mais rígidas as leis entre esses reinos, fazendo com que certos delitos, que eram punidos com multas, passassem a ser punidos com a escravização.

Assim, antigas práticas de integração deixaram de existir e foram sendo substituídas por práticas que visavam à maior obtenção de pessoas para serem vendidas como escravas. À medida que o comércio de escravizados se intensificou, foi sendo necessário buscar prisioneiros mais longe do litoral. Os prisioneiros obtidos eram levados até a costa oeste africana caminhando e eram mantidos em estado de debilidade para evitar fugas.

Estima-se que, ao longo de mais de três séculos de comercialização de escravizados no continente africano, cerca de 12 milhões deles tenham sido trazidos para a América. Grande parte desses vinha de diferentes regiões da África Central e Ocidental.

Notas

|1| FERREIRA, Roquinaldo. África durante o comércio negreiro. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 53.

|2| ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de e FRAGA, Walter. Uma história do negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006. p. 15.

|3| Idem, p. 16.

 

Por Daniel Neves
Professor de História

Escritor do artigo
Escrito por: Daniel Neves Silva Formado em História pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) e especialista em História e Narrativas Audiovisuais pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Atua como professor de História desde 2010.

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

SILVA, Daniel Neves. "Escravidão na África"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/escravidao-na-Africa.htm. Acesso em 20 de abril de 2024.

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